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06 dezembro 2009

Notas ligeiras sobre o teatro baiano

1) Minha pequena (e modesta) opinião sobre a montagem baiana de Joanna D'Arc (estou a colocar com dois ns porque no cartaz da peça assim está) acendeu uma polêmica entre alguns leitores (vejam nos comentários abaixo do post do escrito sobre Joanna). Embora não concorde com um deles, o de Henrique Wagner, e em gênero, número e grau, é uma opinião e, como sou voltairiano, defendo até a morte o direito dele tê-la. O fato é que a maioria das pessoas gostou muito da peça. Mas, como dizia o genial Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.

2) Há, em cartaz na cidade, uma outra montagem que pretendo ver. Trata-se de uma peça em homenagem ao veterano ator baiano Harildo Deda dirigida por Luiz Marfuz e que se encontra no Teatro Vila Velha.

3) Sempre gostei muito de teatro. Vi quase todas as montagens baianas dos anos 60 e 70, mas, de repente, parei de ir aos palcos da soterópolis. Certas peças de teatro de laboratório, com os atores sujos e de malhas pretas a pular como macacos no proscênio, me incomodaram a paciência e me provocaram a aporrinhação. E depois veio o besteirol. Nada contra o besteirol, se bem feito, se articulado com engenho e arte e que seja capaz de fazer rir. Sinto, no entanto, falta de montagens de textos antológicos como se fazia antigamente. Quase que não se monta mais Ibsen, Strindberg, Camus, Tenneesee Williams, Ionesco, Tchecov, Bertold Brecht, Molière, William Shakespeare, entre tantos.

4) Assim de memória, tenho, dentro de seus arcanos, as lembranças inesquecíveis de O macado da vizinha, de Jorge Salomão, creio que vista em 1966 na Escola de Teatro, Stop, Stop, de João Augusto, Teatro de Cordel, de vários diretores (entre eles, João Augusto, Péricles, Orlando Senna), Esta noite improvisamos, de Alberto D'Aversa, Santo sepulcro para casal, também deste último, A escolha, de Orlando Senna, segundo texto de Ariosvaldo Mattos, Eles não usam black-tie, de João Augusto, O noviço, baseado em Martins Penna, cujo diretor, agora, esqueço, mas montada pelo grupo do Teatro dos Novos, Uma obra de governo, de Álvaro Guimarães, entre muitas outras. Nos anos 70, Marilyn Miranda, A casa de Bernarda Alba, dirigidas por José Possi, quando foi diretor da Escola de Teatro. E Calígula, de Camus, montada no interior devastado do Teatro Castro Alves, que se incendiou em 1958 e somente teve restauradas as suas instalações na primeira reabertura de 1967, quando vi, no seu imenso palco, O burguês fidalgo, de Molière, com Paulo Autran, O avarento, também de Molière, com Procópio Ferreira, A úlcera de ouro, deliciosa comédia musical com Marília Pêra, O Gonzaga, de Orlando Senna, entre muitas outras que o cansaço e a memória fraca deixam de registrar.

A foto é de Paulo Autran na pele de Tartufo, de Molière.

6 comentários:

Gil Vicente Tavares disse...

Caro Setaro,

Há, sim, gente tentando montar os clássicos de ontem e de hoje. Mas as tentativas de montagem esbarram em comissões e empresas que não se interessam por isso. A "miséria cultural", como você sinalizou, aqui em Salvador, faz com que a iniciativa privada só patrocine cinicamente 20% do projeto, pois os outros 80% do dinheiro vêm dos cofres públicos, e mesmo assim eles sõ dá dinheiro pra peças de "sucesso". Os editais do governo, seja estadual, federal, não se interessam em contemplar o tipo de teatro que você sente saudades. E que é um teatro que "educa" o público, pois precisamos cativar o público a assistir TEATRO, formar platéia. Todas as fugas à baianidade, ao riso fácil e ao experimentalismo bobo que fica poucos dias em cartaz e se torna divisor de águas na mentalidade tacanha da própria classe - também sofrendo de uma miséria cultural infinita -, tudo isso apenas afasta o público da possibilidade de ver um teatro que se faz no mundo todo, em qualquer capital do mundo, mas aqui é rechaçado como algo desinteressante. Tudo isso tem a ver com essa histeria recente em busca de identidades e raízes, coisa atrasada, pré-antropofagismo, pré-tropicalismo, discussão já cansada em outras lugares que sustenta o proselitismo e populismo na Bahia. E também tem a ver com a ditadura da mediocridade. As pessoas montam suas peças escondidas, com dinheiro público, ficam um tepinho em cartaz, não realizam uma "obra de arte" que tenha "fôlego", mas satisfazem a si mesmos. Não há visão profissional, nem tampouco uma idéia de formação de platéia.
Deixa eu parar. Sempre tenho muito a dizer (inútil?). Ainda teria muito a dizer. Mas registre-se o fato de que há gente querendo fazer um teatro, mas sofre a censura da mediocridade e da burrice, coisas que empurram nosso teatro prum poço sem fundo.
grande abraço

Gil Vicente Tavares disse...

Falando nisso, se quiser dar uma olhada nos meus últimos dois posts, eu acabo tocando nesses assuntos. Na verdade, o blog do Teatro NU é quase todo sobre isso e sei que você sempre nos honra com suas visitas.
outro abraço

André Setaro disse...

Obrigado pelos esclarecimentos, Gil. O que você relata dá mais razão a minha crítica à miséria cultural baiana. Viva o axé! E à tremenda mediocridade que reina.

Anônimo disse...

Concordo com absolutamente a íntegra da mensagem de Gil Vicente.

Henrique Wagner

Jonga Olivieri disse...

Estou bem distante do teatro baiano por razões geográficas.
Mas quando me lembro que assisti aí no Castro Alves "Édipo Rei"... E lembrei-me disto de imediato quando vi a foto de Paulo Autran a iniciar esta postagem.
Mas, que fazer, a pobreza cultural é uma praga que se espalha no teatro, no cinema, na música...

André Setaro disse...

Também concordo com o texto de Gil Vicente Tavares. Patrocina-se, na Bahia, tudo, menos a arte.