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12 janeiro 2010

Les parapluies de Cherbourg


O autor dessa proeza original – e única na história do cinema, o francês Jacques Demy, pertence à Nouvelle Vague mas pode ser considerado um cineasta atípico. Dá início a sua carreira com um curta, Le Sabotier de Val du Loire, em 1956, ao qual se seguem outros três em anos sucessivos, entre eles, Le Bel Indiferent (O Belo Indiferente), inspirado no texto aclamado de Jean Cocteau. Em pleno auge do movimento – do qual participa com filmes e a amizade de Truffaut, Rohmer, Chabrol..., dirige o seu primeiro longa metragem, Lola, A Flor Proibida (Lola), revelando-se um dos talentos mais sugestivos do movimento. Lola, iluminado pelo artista da luz Raoul Coutard – um dos principais diretores de fotografia da Nouvelle Vague, já anuncia, de certa forma, Os Guarda-Chuvas do Amor, pois todo ele é conduzido em ritmo de balé, com amor e humor, traduzindo com extremo lirismo as paisagens de Nantes. Georges Sadoul, historiador francês, enquadra Lola numa espécie de “neo-realismo poético”, aproximando-o de As Damas do Bois de Bologne, do jansenista Robert Bresson. Para uma introdução na poética de Les Parapluies... é bom que se veja um pouco desta Lola, cujo personagem (Anouk Aimée), dançarina de cabaré em Nantes, cortejada sempre por um amigo de infância (Marc Michel), reencontra o seu amor perdido com o qual, há alguns anos, tivera um filho, e, neste reencontro, ela se casa com ele. Uma característica de quase todos os filmes demynianos: o encontro e o desencontro permeado pelo acaso.

Catherine Deneuve em princípio de carreira – já tinha trabalhado com Roger Vadim antes de Demy – é a terna Geneviève que está noiva de Guy (Nino Castelnuovo), mas este, de repente, é convocado para a guerra da Argélia. Esperando o noivo voltar, ela se vê obrigada a confessar à mãe (Anne Vernon) que está grávida de Guy. O tempo passa. A mãe, desesperada, obriga a filha a se casar com um pretendente, Roland Cassard (Marc Michel), rico proprietário de uma loja de jóias. Ela, conformada, aceita. O tempo passa. Guy volta da guerra, ferido, procura Geneviève mas não a encontra. Sua tia Elisa está morta e, para não ficar sozinho, busca consolo em Madeleine (Ellen Farmer), uma mulher que cuidava de Elisa quando doente e que sempre o amou em silêncio.O tempo passa. Guy, já casado com Madeleine, abre um posto de gasolina na periferia de Cherbourg. Numa noite de Natal, Geneviève aparece, rica e charmosa, num reluzente carro de luxo, para colocar gasolina. Guy a vê e ambos tentam um diálogo mas nada mais têm a dizer.

Obra-prima, que reflete sobre a memória, a recordação, a nostalgia e a fugacidade do amor, Les Parapluies de Cherbourg, Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1964, derrotando, inclusive, Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, tem uma fábula que, à primeira vista e se exposta pela narrativa oral, pode parecer uma história destinada às revistas sentimentais. Jacques Demy, no entanto, com sua varinha mágica, com sua mise-en-scène original, transforma-a numa espécie de conto poético musicado que é experiência que transcende o musical cinematográfico clássico americano. Os personagens, como numa ópera – mas o filme não é uma ópera, dizem suas falas cantando ao ritmo dos arranjos belíssimos de Michel Legrand. Pode-se, no caso de Os Guarda-Chuvas do Amor, falar em co-autoria entre Demy e Legrand, tal a conjunção perfeita entre musicalidade e ação dramática. Daí se dizer que Les Parapluies de Cherbourg é uma película que se estabelece como mise-en-musique. Assim como em outra obra excepcional – e pouco vista e apreciada – que é Duas Garotas Românticas (Les Demoiselles de Rochefort, 1966), com Catherine Deneuve e Françoise Dorleac – sua irmã que seria vítima, logo após a conclusão do filme, de trágico acidente.O que torna Os Guarda-Chuvas do Amor uma obra de rara transcendência se encontra numa conjunção de fatores.Em primeiro lugar, a concepção da mise-en-scène de Demy, mas outros elementos ajudam a potencializar o encanto desse filme inesquecível: a deslumbrante fotografia de um artista que é Jean Rabier, que usa, aqui, a iluminação em função do tecido dramatúrgico; a cenografia de Bernard Evein, que utiliza fundos de papel pintado que estabelecem sutis acordes com os estados de ânimo dos personagens; e, claro, os diálogos todos cantados segundo as melodias do maestro Michel Legrand.

3 comentários:

bf disse...

seria bom você organizar uma séance particular para Ceci porque ela não conhece NADA, nem o nome, de Jacques Demy !
Adoro, pessoalmente, "Jacquot, de Nantes" da Agnès V.
Agradeço...
Risos....
BF

ps: ontem, fomos assistir "Ervas daninhas". eu gostei sobretudo da viruosidade (permitida aos mestres pelo rodagem em estudio). ela, pouco.....
risos...

Romero Azevêdo disse...

Grande filme que se torna maior na análise do grande articulista. Viva Demy, Viva Setaro !

Jonga Olivieri disse...

E dizer que no passado combati este filme, vítima de um sectarismo que dominava as esquerdas nos anos 60.
Hoje considero uma obra-prima, seja pelo exímio uso das cores, ou a forma de abordar um musical com tamanha particularidade.