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06 julho 2010

Gibraltar e as bicicletas

Gibraltar e as bicicletas é um repertório de influências que traduz a visão de mundo e a visão de cinema de jovens que se exercitam na arte da expressão cinematográfica. As influências porventura existentes não prejudicam, muito pelo contrário, a singularidade da obra, que tem um estilo pessoal e envolvente. Exercício de cinema, o filme, realizado por estudantes da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, é a prova mais cabal de que o talento é o fator gerador da expressão, porque Gibraltar e as bicicletas já pode ser considerado uma prévia do que está por vir. Sobre ser uma obra experimental no sentido de que os seus autores ainda são amadores, e experimentam a veiculação cinematográfica de suas idéias, Gibraltar e as bicicletas traduz um sentido de cinema bem aguçado em seus 6 minutos e pouco de duração, um sentido de cinema que acolhe o surrealismo do relato, o expressionismo de sua fotografia irrealista, e uma jovialidade que se aproxima dos bons tempos da nouvelle vague.

Um homem e uma mulher se encontram num quarto (o quarto de Acossado/A bout de souffle, de Jean-Luc Godard?) e conversam sobre o aleatório. A interlocução entre os dois remete aos diálogos godardianos nos quais há sempre uma indagação não respondida e uma perplexidade que paira no ar. Em certo momento, um deles diz: "Isto aqui é um filme!" Ou: "E se o filme acabar, a gente vai até Gilbratar de bicicleta." O discurso cinematográfico, portanto, remete a si mesmo, provocando uma metalinguagem. É um filme, de certa forma, godardiano sem, contudo, existir godardices - tão comum em obras de iniciantes - e, por acaso, inciantes que possam conhecer o autor francês.

Mas é a sua estrutura audiovisual que oferece a Gibraltar e as bicicletas os seus maiores atributos. Os enquadramentos elaborados, a insistência nos planos de detalhes, o uso do contre-plongée funcional, a utilização do espaço exíguo do quarto e sua planificação eficiente, a fotografia expressionista, os signos (como os balões vermelhos), a utilização de materiais de procedências diversas (os letreiros, o insert de um momento de Ladrão de bicicletas, obra-prima do neorrealismo italiano de Vittorio De Sica, o touch surrealista do relato com a surpresa final etc).

Cinema, como se cada filme fosse um pedaço de um sonho, Gibraltar e as bicicletas pode ser visto como uma obra de excelência na enxurrada de filmes feitos em digital nos quais a inexistência de um sentido é um denominador comum.

Palmas para toda a equipe: Marccela Vegah (que dirige), Ananda Lima (roteiro), Raísa Andrade, Ana Carol Andrade, Fernando Vivas (o fotógrafo), e Matheus Pirajá Camarão (que o montou).

Habemus cinema com Gibraltar e as bicicletas.

6 comentários:

Aline Bessa disse...

Adorável, o curta.

Romero Azevêdo disse...

Anemic ! (não anêmico)
Blow out, Blow up !
Vida inteligente no deserto digital.
O melhor do século XX pelos melhores do século XXI.
Gilbratar atropela com suas bicicletas as imagens e sons imbecis da "pós-modernidade".
Dois atores incríveis à beira de um close-up.Balões lamorisseanos no ar colorindo o écran do futuro.
Roteiro, fotografia,diálogos, planos,montagem,cenografia...de tirar o fôlego.
Com estudantes assim vale a pena o sacrificio do ensino.

barchilon disse...

gostei do curta, mas com ressalvas à estética e aos atores.

uma realização de valor, sem dúvidas.

Jonga Olivieri disse...

Romero Azevêdo, alguns comentários acima, já disse tudo de forma poética e brilhante, meu caro professor Setaro.
Acho que a sua turma na UFBA é excelente e produziu um material com um resultado impecável; conforme aliás você já descrevera na sua postagem.
Quer dizer: a mim resta bater palmas... De pé!

André Setaro disse...

Conhecedores da arte do filme (Romero, professor de cinema em Campina Grande, Jonga...) apostam neste filme dos estudantes da Facom. Tenho dito!

Jonga Olivieri disse...

E para além de bater palmas de pé, postei o filme no FaceBook. Ele, pelo seu valor o mereceu!