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27 maio 2010

"O nono mandamento", de Richard Quine

Há filmes encantadores pela elegância, finesse, delicadeza e engenho na sua mise-en-scène. O nono mandamento (Strangers when we weet, 1960), de Richard Quine, é um deles. Kirk Douglas, quando leva o filho à escola, vê Kim Novak, que faz o mesmo, e ambos, casados, se apaixonam. Quine é um príncipe da elegância, um realizador de primeira de comédias inesquecíveis, além de dramas densos: Como matar sua esposa, Aconteceu num apartamento, Médica bonita e solteira, Quando Paris alucina, entre muitos outros. A partitura que se ouve aqui, neste vídeo, é de George Duning.


Disso e daquilo

1) Capa da revista Veja do ano de 1969, quando Glauber Rocha ganhou a Palma de Ouro de melhor direção por O dragão da maldade contra o santo guerreiro, que, na França e demais países europeus tomou o título de Antonio das Mortes. A Veja, nesta época, tinha como seu editor geral o jornalista Mino Carta e ainda não era a Sujíssima Veja, como a chama Hélio Fernandes. Ontem, em Salvador, com as presenças do governador Jaques Wagner, da mãe de Glauber, Dona Lúcia Rocha, e do Ministro da Cultura Juca Ferreira, entre outras personalidades, Glauber Rocha foi anistiado e sua progenitora vai receber, a título de indenização, uma bolada de mais de R$ 300.000,00 além de uma pensão vitalícia em torno de R$ 3.000,00 por mês. O caso de Glauber Rocha tem sua razão de ser, pois perseguido pela ditadura, censurado, mas creio estar a haver uma verdadeira indústria de indenizações. Conheço pessoas que nada sofreram e foram anistiadas com uma fortuna dos cofres públicos. Basta, para isso, uma folha suja do ponto de vista da Direita e relações com o círculo de poder atual. Quando estudante de Direito, nos anos de chumbo, era o programador de filmes do diretório da faculdade, e mandei buscar de São Paulo uma cópia na bitola em 16mm de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles, para ser exibida no auditório da faculdade. Na noite da projeção, um camburrão apareceu, policiais desceram do carro e me prenderam. Passei uma noite sofrida numa dependência da Polícia Federal. Mereceria uma indenização pela noite mal dormida e cheia de pânico? Acho que não, mas se quiserem me dar, aceito-a.
2) Vejo com grande apreensão os filmes exibidos em versão digital. Muitos deles são projetados e não há respeito a seus formatos originais. E há o problema da lâmpada, que, segundo um técnico que conheço, precisa ser sempre trocada a fim de evitar o escurecimento. Mas acontece que os exibidores, para economizar, e no afã do lucro, deixam-na quase até o fim de sua vida lamparina, quando tudo no filme se parece em noite americana. Curioso é que os espectadores, principalmente aqueles das salas alternativas, não protestam, não dizem nada, não se revoltam. A apatia é enorme nesta contemporaneidade (não gosto de usar este termo). O circuito exibidor comercial virou um verdadeiro parque de diversões, ainda mais agora com a terceira dimensão. O cinema me basta em suas duas dimensões. É o caso do celular, mania planetária: para meu uso, quero, apenas, que funcione direito na chamada e no recebimento de ligações. Nada de câmera, luzes e outras engenhocas. Mas estou a sair do assunto principal do item que é a falta de qualidade das versões em digitais. Menos por culpa do digital em si, que bem exibido convence, do que da falta de ajustes adequados daqueles que as exibem.
3) http://novaspensatas.blogspot.com/2010/05/qualquer-semelhanca.html Vejam neste link o plágio cometido pelo autor do cartaz de Quincas Berro D'Água, que se inspirou no de Anatomia de um crime (1959), de Otto Preminger. Basta ver para a constatação imediata. Por falar em Preminger, grande diretor do cinema americano, deixei de rever Exodus no Telecine Cult porque totalmente espichado em full screen (tela cheia). Na apresentação dos letreiros, deixam no cinemascope original, mas, finda esta, a tela se espicha, se deforma, sofre terrível metamorfose para ajustar o quadro à tela cheia. Por que cometem tais intromissões indevidas na obra cinematográfica? Mas, por outro lado, deixaram em cinemascope filmes como Cupido não tem bandeira (One, two, three, 1961), magnífica comédia de Billy Wilder, Papai Pernilongo, musical com Leslie Caron e Fred Astaire, de Jean Negulesco, entre outros. Gostaria de saber dos critérios para que alguns sofram a agressão e outros possam passar impunes e integrais.
4) Ainda faltam 9 dias para a enquete acabar, mas faço aqui uma observação. Apenas um único votante assinalou A sombra de uma dúvida (Shadow of a doubt, 1943) como o seu Hitchcock favorito. Os dois filmes que disputam pau a pau o primeiro lugar são Janela indicreta (32%) e Um corpo que cai (25%). Este último estava na frente, mas, como nas pesquisas eleitorais, à medida que o número dos votantes cresce, as coisas se modificam. Mas não há dúvida que Janela indiscreta vence. Uma vez, no Rio, em 1984, perguntei a James Stewart qual o seu Hitchcock favorito, e ele me respondeu que era Rear window. Mas, voltando à Sombra de uma dúvida, creio que não tem votos porque é mais desconhecido, ainda que filme referencial na obra hitchcockiana. O próprio Hitchcock, em diversas ocasiões, inclusive na célebre entrevista a François Truffaut publicada em livro, perguntado sobre qual o filme que mais gostava, sempre dizia: Shadow of a doubt. É, realmente, um dos melhores do mestre, um retrato de uma cidadezinha interiorana americana, quando um tio vem visitar os parentes e sua sobrinha fica como que apaixonada por ele. Acontece que ele é um assassino, um assassino de viúvas que está sendo procurado. Joseph Cotten faz o papel e a sobrinha é Teresa Wright, atriz muito cotada na década de 40.

25 maio 2010

Como uma torrente...

1) Cartaz de Pierrot, le fou, de Jean-Luc Godard, um dos momentos mais sublimes da caligrafia de seu autor. Realizado em 1965, seis anos depois de Acossado (A bout de souffle, 1959), há, nele, um quê de sequência deste pelo menos a julgar pelo seu personagem interpretado por Jean-Paul Belmondo - não seria Michel Poiccard redivido? Ao contrário de Acossado (em preto e branco standart), Pierrot, le fou é em cinemascope e colorido (com um uso fantástico da cor em cinema). A sua estrutura narrativa é construída em solavancos, com o futuro se adiantando ao presente. Pierrot, le fou está entre os meus preferidos do cineasta franco-belga, que revolucionou a linguagem cinematográfica nos poderosos anos 1960. No Brasil, tomou o nome de O demônio das onze horas, um título esdrúxulo e dispensável. Pior foi o que fizeram com Persona (1966), de Ingmar Bergman. O filme, sobre a identificação de duas mulheres, que não registra lesbianismo, foi chamado de Quando duas mulheres pecam. Um absurdo!
2) Lembro-me que, no lançamento deste Bergman, o cinema ficou lotado para estupefação do próprio exibidor. Mas, durante o transcorrer da sessão, muita gente se levantou e foi embora. O título de Quando duas mulheres pecam atraiu aqueles ansiosos pelo sexo e, constatando a sua inexistência, saíram, em boa hora, da sala de projeção. Também a época ainda conservava uma certa restrição à exploração da temática sexual. Há o caso de O Túmulo do sol (Taiyo no hakaba, 1960), de Nagissa Oshima, que Walter da Silveira o exibiu numa sessão da meia-noite. Por ser neste horário, os soteropolitanos vieram a pensar que se tratasse de filme de muita putaria. Filas quilométricas já se estabeleciam diante do cinema (foi no antigo e saudoso Guarany) desde as 11 da noite. Ao começar a sessão, o cinema tinha gente saindo pelo ladrão. O filme, uma obra-prima do cinema nipônico, é poético e não trata de sexo. Iniciada a sessão, a platéia, furiosa, começou a gritar e, já no meio, a cortar as poltronas.
O prejuízo foi enorme. O exibidor desistiu de continuar com as sessões de meia-noite. Que seriam programadas pelo Clube de Cinema da Bahia.

24 maio 2010

Curta de Tuna, ressuscitado, é adotado como bandeira

Um curta de Tuna Espinheira (Cascalho) realizado em 1977 (há mais de três décadas), Cajaíba, Lição das coisas...O fazendeiro do ar, digitalizado e exibido em Vitória da Conquista, é adotado como bandeira de uma causa. Leia o texto abaixo escrito pelo próprio cineasta. Abrindo as devidas aspas:
"Um filme de barbas brancas, produzido nos idos de 1977, já posto em sossego, conseguiu ser digitalizado, após um primeiro tratamento de recuperação necessário para que se pudesse mexer com os seus negativos à mercê dos desgastes do tempo.
Ressuscitado, com cópia nova, foi selecionado pela mostra, CINEMA, MEMÓRIA E CULTURA POPULAR, um evento patrocinado por JANELA INDISCRETA e a UESB. A EXIBIÇÃO, DIA 18/05, no Teatro Glauber Rocha, contou com um público bastante significativo e, principalmente, com a presença da família do saudoso artista e personagem da fita, Cajaiba.

Não posso me furtar de dar dois dedos de prosa sobre o filme em questão e da razão maior do significado desta sessão. Vamos lá, no alto da serra de Periperí, em Vitória da Conquista, foi erguido um museu a céu aberto, monumentos esculpidos em cimento e ferro, formando um sítio de exposição permanente, com dezenas e dezenas de esculturas, de grande impacto estético que, por anos e anos, alumbrou as retinas cansadas dos incontáveis passantes, na mais gritante diversidade de gente, entremeados de Gringos, gregos e baianos.

O filme registrou o escultor em plena atividade, no ofício quixotesco, de dar continuidade a tarefa insone, do sonhado Museu... Fruto do suor do seu rosto, persistência indômita, sem contar com quaisquer subsídios do poder público, motivado pela energia emanada de um delírio febril que lhe nutria de força para apascentar a sua utopia.

Em 77 do século passado, saído forno, o filme ganhou o Prêmio de Melhor Roteiro, no X Festival de Brasília e o Prêmio de Melhor Proposta de Criatividade, na VII Jornada Internacional de Cinema da Bahia. Foi selecionado para exibição comercial, na qualidade de complemento obrigatório, amparado em Lei, vigente na época. Nesta condição peregrinou na luminosa tela grande dos cinemas Brasil afora.

Um movimento aguerrido, formado por intelectuais, estudantes, professores, artistas, empresários e demais segmentos da comunidade conquistense, fez abrir um “front” de luta pela recuperação do incrível Museu a Céu Aberto, bastante desgastado pelo tempo e o vento. Este Museu de Cajaiba, é um cenário artístico de reconhecido valor, significa uma marca indelével para a cidade de Vitória da Conquista.

O nosso filme foi adotado como uma espécie de bandeira. Na estrada deste documentário, com certeza, este é o seu prêmio mais valioso.
Assino e dou fé,
Tuna Espinheira
e-mail: tunaespinheira@terra.com.br"

23 maio 2010

Imagem histórica

Imagem histórica. Da esquerda para a direita em pé: Robert Mulligan (o cineasta do evocativo), William Wyler (o realizador de um dos maiores filmes que já vi: Os melhores anos de nossa vida, 1946), George Cukor (mestre absoluto, na foto com a boca aberta), Robert Wise (Quero viver e Punhos de campeão que outras coisas são senão obras absolutamente primas?), Jean-Claude Carrière (o caçula da turma vestindo um paletó preto bem apertado), e o outro, na extremidade, é o produtor Serge Silberman. Sentados, Billy Wilder (precisa dizer mais alguma coisa?), George Stevens (o perfeccionista diretor do poético Shane), Luis Buñuel, Alfred Hitchcock, e Rouben Mamoulian (talvez o mais velho do grupo, excelente diretor do velho e bom cinema americano).
"O chão seria capaz de ter afundado", comentou Jonga Olivieri a propósito da foto histórica que encima este post. Os dez anos seguintes se encarregaram de riscar um a um do mapa, considerando ser a foto feita ao alvorecer dos anos 1970, sobrando Billy Wilder, Robert Mulligan, poucos. Atualmente, o único vivo é Jean-Claude Carrière, importante roteirista e colaborador dos roteiros do mago Buñuel, principalmente na sua fase francesa, que é constituída de suas derradeiras obras. Li que Hitchcock adorava os filmes de Luis Buñuel. É um momento histórico mesmo a imagem, pois feita após farto almoço na mansão de George Cukor em Hollywood. E, reunidos assim, os grandes diretores, aqueles do grande segrêdo do qual falava Truffaut. Não seria possível mais, esta, a verdade, se fazer uma foto assim com grandes diretores do cinema hollywoodiano, pois não existem mais grandes diretores, com as raras e honrosas exceções de praxe que não deixam de confirmar a regra. Não deixa, assim, esta foto, de ser um registro e uma prova da contundente decadência do cinema contemporâneo. A contemporaneidade, como se gosta de dizer, dos dias de hoje, é fajuta, desculpem-me a expressão.
Nunca vi tanta gente importante assim reunida. Valeu o domingo.
Cliquem na imagem para vê-la maior