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28 agosto 2010

"Meu nome é Bond, James Bond"


Há poucos dias Sean Connery completou 80 anos (é de 1930). É uma lenda viva do cinema. Quando vi, em sua estréia, O satânico Dr. No (Dr. No, 1962), de Terence Young, primeiro filme do agente secreto 007, o impacto foi grande no adolescente que era. A apresentação do personagem, numa mesa de jogo, com a displicência e o charme de "Meu nome é Bond, James Bond" ficou definitivamente incorporada às antologias cinematográficas. Depois veio Moscou contra 007 (From Russia with love), do mesmo Young (um chinês que trabalhava para o cinema europeu), que fez estourar a figura de 007 para sempre. A partitura de John Barry ainda hoje me emociona. É inesquecível. Spielberg confessou que seu sonho seria ter podido fazer um filme de James Bond. A série Indiana Jones, neste sentido, é uma tentativa da realização do sonho. E não por caso, em Indiana Jones e a última cruzada, terceiro opus do seriado, contou com Connery no papel do pai do personagem.

Sean Connery é um ator essencialmente cinematográfico, e sabe, como poucos, se comportar diante das câmeras. Quando no auge como James Bond, resolveu deixar de interpretá-lo para uma incursão em trabalhos mais densos, a fim de mostrar que também era um grande ator. A colina dos homens perdidos, de Sidney Lumet, ainda em meados dos anos 60, confirmou a excelência do intérprete. Mas os produtores do agente secreto convocaram-no, já meio careca, para 007 - Os diamantes são eternos.

É um ator que ficou no imaginário de todo cinéfilo que se preze: O homem que queria ser rei, de John Huston, O vento e o leão, de John Milius, Robin e Marian, de Richard Lester (com Audrey Hepburn crepuscular), Ver-te-ei no inferno (The molly maguires), de Martin Ritt, O nome da rosa, de Jean-Jacques Arnaud, Os intocáveis, de Brian De Palma, Marnie, confissões de uma ladra, de Alfred Hitchcock etc.

Longa vida a Mister Bond!

25 agosto 2010

A morte matada da cinefilia



Para os que nasceram na era do vídeo, e, agora, do disquinho mágico, nada muito surpreendente. Mas para aqueles, como eu, que nasceram em priscas eras, em meados do século passado (1950, para ser mais preciso), com o tempo passando rápido - ó tempo suspende o teu vôo!, o advento do VHS foi uma surpresa, e a do DVD, com tantos dreyers e bergmans, minnellis e langs, hawks e fellinis, espalhados por aí, quase um assombro. Alguém já disse que foi pelo assombro que o homem começou a filosofar, mas, isto, outra história. Acontece que, antigamente, as imagens em movimento somente eram possíveis de ser contempladas no escurinho das salas exibidoras, havendo, para isso, de se pagar um ingresso. A televisão, naquela época, era muito ruim em termos de imagem. Assim, havia duas características no que diz respeito à psicologia da recepção: a inacessibilidade e a impossibilidade de o espectador intervir na temporalidade. Na primeira, quando dentro do cinema, e sala enorme, com quase dois mil lugares, verdadeiros palácios, a imagem que se via na tela era algo mágico, inacessível. Lembro-me que havia um senhor que vendia fotogramas de filmes na Praça da Piedade (aqui em Salvador), e que também oferecia para compra uma lata que, devidamente furada, continha, em uma de suas extremidades, uma lente de óculos que permitia ver os fotogramas com mais nitidez do que a olho nu.

Se um determinado filme era exibido e, por acaso, estivesse doente ou viajando, retirado de cartaz, podia perdê-lo para sempre, excetuando-se os grandes sucessos que sempre eram recolocados. E, na segunda característica, a impossibilidade de intervenção na temporalidade. Projetado o filme, este se desenrolava na tela - ou no écran, como se dizia então, e ninguém podia pará-lo, retrocedê-lo, avançá-lo, salvo se entrasse na cabine de projeção e, revólver em punho, ameaçasse o operador. Mas a inacessibilidade e a temporalidade se tornaram favas contadas com o surgimento do VHS e do DVD. Há, inclusive, creio, uma perda da aura cinematográfica. Se os disquinhos funcionam como o resgate do cinema, por outro lado, no entanto, perdeu-se a magia do espetáculo, visto em comunhão numa platéia. O indivíduo hoje já nasce vendo imagens em movimento e, por isso, elas se tornaram vulgares no sentido de corriqueiras.

Quando me contaram que, nos Estados Unidos, inventaram um aparelho pelo qual se podia ver filmes, que ficavam dentro de uma caixinha, não acreditei. Era o vídeo que então estava inventado e restrito ao território de Tio Sam. Precisei, como São Thomé, ver para crer, o que aconteceu em torno da metade dos anos 80, quando comprei o meu primeiro aparelho de VHS, um Sharp, que me deu muito trabalho de sintonizar. E as cópias eram péssimas. Precisou-se esperar que o DVD surgisse para que o cinema recebesse uma punhalada nas costas (na região pulmonar).

E atualmente ir ao cinema é entrar num festim diabólico onde reinam as pipocas, as conversinhas fora de hora, os celulares que, atendidos, infernizam o espectador que queira contemplar o filme. O público de cinema, no Brasil, pelo menos, se tornou uma espécie de patuléia desvairada. Repito sempre que o ir ao cinema hoje é uma das fases do shoppear. Não se vai mais ao cinema, esta a verdade, mas aos shoppings. Até mesmo nas salas ditas alternativas o público se comporta com apatia e as pessoas gostam mais de aparecer, porque, na sua grande maioria, pseudo-cinéfilos, pseudo-intelectuais. Mas vou contar uma história.

Corria o ano de 1973. Estava no Rio de Janeiro a passar as férias de julho. O jornal da época era o Jornal do Brasil, com seu excelente Caderno B. Neste, tomei conhecimento que Ladrões de bicicleta ia ser exibido na Cinemateca do Museu de Arte Moderna numa única sessão pela tarde. Conhecia muitos filmes, nesta ocasião pré-vídeo, de ouvi dizer e de leitura, alguns importantes com muitas informações. Era o caso de Ladri di biciclette, de Vittorio De Sica, que nunca tinha visto por falta de oportunidade e, também, porque nunca foi exibido em Salvador durante o meu itinerário existencial (depois passou algumas vezes). Assim, fiquei a postos, esperando o horário, com certa  expectativa, aliás, que não tenho mais para quase nada. Chovia fino. Entrei na sala da saudosa Cinemateca. Mas, quando saí, um toró se abateu sobre a cidade, que ficou completamente engarrafada. Difícil pegar um táxi. Depois de algum padecimento embaixo da marquise do museu, resolvi ir andando do Flamengo, onde fica este, até Laranjeiras, onde estava hospedado. Cheguei encharcado e, no outro dia, com febre alta, ameaçado de pneumonia. Mas estava feliz por ter visto Ladri di biciclette. Atualmente, tenho-o em VHS e DVD, que fica guardado, parado.

Não seria mais possível um sacrifício tal para ver um filme. Tenho um amigo, por exemplo, que ia sempre à Paris para se meter na Cinematheque Française e ficar o dia todo vendo obras clássicas. Hoje tem um home theater em sua casa e há anos que não viaja. Viajava somente para ver filmes.

A cinefilia, como se praticava antigamente, está morta, e bem enterrada

24 agosto 2010

Lembrando o grande Vito Diniz

Diretor de fotografia dos mais iluminados, Vito Diniz poderia ser um dos expoentes da fotografia cinematográfica brasileira se não fosse a sua paixão pela Bahia, sua insistência em aqui permanecer a trabalhar, e, com isso, recusando convites de fora que poderiam lhe fazer a fama e a glória. Mas de uma coisa se tem certeza: poucos, no Brasil, conhecem a arte de bem iluminar como Vito Diniz, que a Implacável o levou há uma década ou quase isso ainda em pleno vigor de sua capacidade produtiva. Pessoa de lhano trato, homem educado e delicado, tímido, não era afeito a diatribes, guardando as suas opiniões para os amigos. Iluminou quase todos os filmes baianos desde o crepúsculo da década de 60. Meteorgango Kid, o herói intergalático (1969), de André Luiz Oliveira, que virou filmecult do underground ou cinema marginal, teve a sua plástica de imagem orientada por Vito, assim como muitos outras longas baianos, a exemplo do desaparecido Akpalô (1971), de José Frazão, O anjo negro (1973), de José Umberto, entre muitos outros, inclusive os curtas e médias de Fernando Belens, Kabá, Edgard Navarro, Pola Ribeiro, Tuna Espinheira, Agnaldo Siri Azevedo, etc.
Antes da aventura no cinema, trabalhou como correspondente da Manchete em Roma e chegou a dirigir uma chanchada com Colé chamada Cangerê de meados dos anos 50.
Deixou também de sua autoria curtas preciosos como Magarefe(1971), que focaliza a crueldade da morte de bois e vacas, Pelourinho (1972), visão poética deste centro histórico que é um patrimônio da humanidade, e, quando se aventurou no Super 8, o resultado foi um filme com a qualidade daqueles na bitola 35mm: Gran Circo Internacional.

Presto aqui esta pequena homenagem ao grande homem e ao grande fotógrafo que foi Vito Diniz. A foto é de seu filho, Xico Diniz, e quem ma enviou foi Carlos Alberto Gaudenzi (Kabá), um amigo de Vito de todas as horas.
Clique na imagem para vê-la ampliada.

23 agosto 2010

Cukor e a dialética do ser e da aparência


1) Vi recentemente, em DVD, a comédia musical Les girls (1957), do grande George Cukor, que assinala uma das últimas aparições de Gene Kelly como dançarino no cinema. O gênero, na época deste filme, já estava a se esgotar, substituído, logo a seguir, pelas grandes produções musicais, a exemplo de West Side Story, A noviça rebelde, My fair lady. Talvez a derradeira película na melhor tradição do filmusical hollywoodiano tenha sido Gigi (1958), de Vincente Minnelli. Os efervescentes anos 60 ainda proporcionaram alguns filmes interessantes (Positivamente Millie, de George Roy Hill, A moedinha da sorte, de George Sidney, Mary Poppins, de Robert Louis Stevenson, entre outros), mas, a partir da segunda metade da década de 60, ainda que alguns estúdios insistissem na grandiloquência (Funny Girl, de William Wyler, A estrela, de Robert Wise), a pá de cal, por assim dizer, veio com Hellô! Dolly, que levou a Fox à falência. Em 1970, com a explosão do Woodstock, o público estava arredio aos espetáculos musicais tradicionais e foi um erro, falta de planejamento, a realização de Hellô! Dolly, um fracasso quase retumbante, ainda que filme fascinante nos seus números e cenas de danças.

2) Mas estava a falar de Les girls. Um filme de pontos de vista sobre a questão da verdade. O que é a verdade? Há uma verdade de cada um, segundo o ponto de vista de cada um. Cidadão Kane, de Orson Welles, é, neste particular, um puzzle magnífico construído sobre variações de olhares sobre uma determinada personalidade. Em Les girls, há uma variação em torno da questão, e o autor do roteiro deve ter visto e se influenciado por Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, que trata do assunto. Três pessoas se abrigam de chuva torrencial debaixo de uma marquise e começam a conversar sobre um assassinato que presenciaram. Em flash-backs, como em Les girls, Rashomon mostra a versão de cada um. No final, as versões se contradizem e aparece o espírito do morto para contar a sua verdade.

3) Dirigido por George Cukor, um mestre da comediografia cinematográfica, Les girls gira em torno de um processo judicial com sede num tribunal de Londres, quando uma mulher (Kay Kendall) é processada por antiga amiga por ter escrito um livro que a coloca numa situação difícil, a revelar que, quando eram dançarinas, veio a ser amante de Gene Kelly. O filme então se estrutura a partir dos depoimentos das duas mulheres, a que escreveu o livro e a autora do processo, além do depoimento do próprio Gene Kelly. No final, fica-se sem saber ao certo quem falou a verdade. Para um musical, há, neste particular, um acréscimo temático e filosófico não muito usual. Mas o filme tem números musicais bem coreografados por Jack Cole, um especialista, e as canções foram escritas especialmente por ninguém menos do que o genial Cole Porter.

4) Cukor é um dos maiores diretores do cinema americano. Não há, no cinema contemporâneo, um cineasta de seu refinamento, de sua finesse, cuja maneira toda especial de dirigir atores (principalmente mulheres) ficou como legenda. Veterano dos estúdios de Hollywood, dirigiu as primeiras cenas de ... E o vento levou (Gone with the wind, 1939), mas o todo poderoso producer David Selznick o demitiu a pedido de Clark Gable, que ficava com ciúme de sua dedicação a dirigir Vivien Leigh. Quem aparece como diretor nos créditos e ...E o vento levou é Victor (O mágico de Oz) Fleming, mas houve outros diretores, como Sam Wood. Interessante observar que é um filme de produtor, o diretor funcionando, apenas, como diretor administrativo. E que extraordinário diretor administrativo, como foi o caso de My fair lady! Se o cinema brasileiro possuísse mais diretores administrativos desse quilate não estaria no beco sem saída do ponto da criação como se encontra, a captar recursos e a pensar pouco na emergência do específico cinematográfico. Tem um filme, em particular, de Cukor que ficou no meu caminho para o resto da vida, considerando que o vi, pela primeira vez, no cinemascope do cinema Guarany em Salvador, Adorável pecadora (Let's make love, 1960), com Yves Montand e Marilyn Monroe. Cukor aqui está, por assim dizer, na sua quintessência. E o filme é admirável. Tenho-o em DVD e de vez em quanto o avisto.

5) As três girls do filme são as maravilhosas e deslumbrantes Mitzy Gaynor, Tania Elg e Kay Kendall. Elg, mais desconhecida, era uma bailarina finlandesa que encantou o olhar rigoroso de Cukor e foi logo contratada. Kendall, comediante inglesa, do proscênio britânico, mas também com participação em Hollywood, morreu prematuramente de leucemia e era casada com Rex Harrison, o eterno professor Higgins de My fair lady. O número musical do café, no qual há nítida uma paródia a O selvagem, com Marlon Brando, foi coreografado por Kelly, porque, no dia da filmagem, Jack Cole, o coreógrafo oficial, estava doente. Mitzy Gaynor mostra, neste número, a sua excelência como dançarina. Na verdade, um filme como Les girls não mais poderia ser filmado com o poder de encantamento que tem. Porque não há mais uma infraestrutura capaz de oferecer suporte ao gênero: costureiras, coreógrafos, figurinistas, equipe de balé etc.

6) Cukor foi um verdadeiro mestre. Fez filmes admiráveis como os citados e, ainda, Núpcias do escândalo (Philadelphia story, 1940), Um rosto de mulher (A woman's life, 1941), com Joan Crawford, Viagens com minha tia (Travels with my aunt, 1973), o intrigante A vida íntima de quatro mulheres (The chapman's report, 63), com uma Jane Fonda em início de carreira etc. O cinema americano do grande segredo, como chamava François Truffaut, é pródigo de talentos na comediografia, a exemplo de Vincente Minnelli, Richard Quine, Blake Edwards, Leo McCarey, entre tantos! Minnelli funcionava bem quer no musical, nas comédias, quer nos melodramas ásperos. Estilista de escol. Neste ponto, mais atraente do que Cukor, sem diminuir, com isto, a excelência deste. Aliás, foi Cukor quem usou cinematograficamente a lente anamórfica em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), com uma inesquecível Judy Garland (não conheço nenhuma estrela com o talento dessa excepcional cantora e atriz). O cinemascope, então lançado, se perdia nos planos gerais. Cukor o ajustou à expressão cinematográfica com este filme que mostra a ascensão de uma estrela que se casa com um alcoólatra, com acentos biográficos da vida de Garland, interpretado pela fleuma de James Mason. Uma temática constante nos filmes de Cukor: a dialética do ser e da aparência.