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10 julho 2012

Mulher à tarde - Apreciação


Quem vai ao cinema para ver uma trama in crescendo, que segue a lei de progressão dramática no modelo narrativo griffithiano (de David Wark Griffith), é bem provável que não vá gostar de Mulher à tarde, de Affonso Uchoa - em cartaz no CineCena Unijorge às 20 horas - hoje, terça, e amanhá, quarta, também às 16 horas. Aquele espectador que anseia por um filme no qual possa acontecer alguma coisa não terá resposta por parte da obra cinematográfica de Uchoa, que, ao contrário, é um convite para que ele, espectador, participe do tédio das personagens. O que faz lembrar o cinema antinarrativo de Michelangelo Antonioni (em particular: A aventura, A noite, e O eclipse) e, de certo modo, o cinema do grego Theo Angelopoulos, no sentido em que é a contemplação do que está dentro da tomada que importa em Mulher à tarde, e uma contemplação também no sentido pictórico, porque os enquadramentos do filme procuram estabelecer uma espécie assim de tableaux mouvants - à maneira de um Carl Theodor Dreyer. Claro que Mulher à tarde não atinge a grandeza dos realizadores citados, mas é uma tentativa estilística nessa direção.

Realizado com poucos recursos, e em digital,  Mulher à tarde tem uma distribuição marginal e não contou com o marketing dos filmes destinados às salas exibidoras mais influentes do circuito. O filme, que está sendo lançado em muitas capitais brasileiras, aqui recebeu o abrigo no CineCena Unijorge, que fica no segundo piso do Shopping Itaigara, e os contatos estão sendo feitos pelo próprio realizador através das redes sociais, de e-mails para críticos e conhecidos, além do site na internet.

Confinados numa casa, três jovens mulheres, sobre morarem juntas no mesmo lugar, vivem, porém, separadas em suas existências, pois cada uma tem seu mundo próprio, particular. Uma delas tem o desejo de se evadir, sentir o mundo em toda a sua intensidade exterior. Outra, marcada por tormentos em passado recente, sente-se presa entre as quatro paredes do espaço, e a terceira tem uma insatisfação com a sua miséria existencial, ansiando por um sentimento idealizado de efervescência. É o mal estar pessoal diante de um mundo adverso. Mulher à tarde, título rohmeriano, se constrói por meio de uma antidramaturgia para observar, como se o cineasta fosse um voyeur, as conversas miúdas e os pequenos gestos dessas criaturas.

Affonso Uchoa escreveu assim sobre o seu filme: "O pictórico se faz presente também na estrutura narrativa do filme. Mulher à tarde se divide em blocos de situações que conduzem a “quadros” – imagens estáticas que concluem esses blocos. Ao princípio de cada um deles há letreiros que se assemelham aos títulos de quadros que retratam figuras femininas na pintura ocidental: Mulher com a cabeça entre as mãos e Mulher deitada enquanto a noite cai são alguns exemplos. A cena final dos blocos é uma ilustração do escrito nesses letreiros, de modo que os escritos são como títulos dos quadros finais de cada bloco. E nesses quadros, nessas imagens de conclusão das cenas, podemos ver a imobilidade que figura o rosto e o mundo de cada uma. A imobilidade de uma vida oprimida em meio à necessidade de mudanças, e a dificuldade em dar o primeiro passo de transformação (...). O princípio narrativo do filme é fundado nas histórias mínimas, cotidianas. Numa espécie de anti-dramaturgia sem grandes acontecimentos e reviravoltas. Sem trama e sem drama. A pintura, em geral, vem em contraste ao banal: pintar significa elevar, dotar de dignidade. Só o que é grande o suficiente pra ser eternizado, merece ser pintado. Mulher à tarde é um filme que pinta os pequenos momentos. Um filme que traz pra imagem e se dedica a eternizar o comum e a vida cotidiana. Ao pintar a vida dessas 3 mulheres perdidas entre suas questões existenciais e as tarefas cotidianas, o filme afirma sua crença no poder de permanência do pequeno gesto e na grandeza das histórias mínimas.”

Mulher à tarde é um filme feito em HD (digital) e no esquema BO (Baixo Orçamento). E o evento de Tiradentes, que acontece na cidade do mesmo nome em Minas Gerais, desde o ano passado, está prestigiando os filmes feitos neste formato por cineastas estreantes na Mostra Aurora. Mulher à tarde concorreu em 2011, mas, apesar de não ter levado o grande prêmio, foi um dos filmes mais absorventes do certame. E o nome de Affonso Uchoa deve ser, de agora em diante, anotado, pois poderá vir a se tornar um dos mais interessantes diretores do cinema brasileiro que não cede à usura da bilheteria. É o reverso da medalha do que estamos acostumados a ver. Não poderíamos deixar de destacar a bela atuação do trio que faz as mulheres: Renata Cabral, Luisa Horta, e Ana Carolina Oliveira.

 A julgar assim pelo que se está a ler, Mulher à tarde pode parecer um convite à aporrinhação, mas, na verdade, não o é. Trata-se de uma obra insólita no panorama medíocre do cinema brasileiro atual que se destaca pelo apuro na composição e por uma solidariedade que vai sendo construída, aos poucos, em relação aos dramas individuais das mulheres. Necessário, no entanto, que o espectador tenha outra atitude na contemplação da obra cinematográfica e se ponha à disposição para contemplar o que está a ver sem o condicionamento imposto pelo cinema de histórias. Por que se exige do cinema sempre uma trama crescente, um enredo mastigado? Mulher à tarde é um filme antípoda de tudo isso e, portanto, um diferencial no grosso da produção industrializada do cinema contemporâneo. O mais importante, entretanto, é que há, em Mulher à tarde, poder de verdade e poder de convencimento, e um apuro por parte de Uchoa na construção de seu antiespetáculo, mais familiarizado com um cinema de grandes realizadores reflexivos. O que se pode concluir: Mulher à tarde é uma reflexão sobre a angústia da existência. 
Cliquem nas imagens!!

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Aqui no Rio, nem sei se está passando. No entanto "E aí, comeu?" está espalhado pela cidade inteira!
Coisas do futebol!