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24 outubro 2012

A mão que afaga


Os filmes de Gabriela Amaral de Almeida provam que são as histórias simples e os pequenos gestos que podem determinar a excelência de uma obra cinematográfica. Extraindo o convencimento do interior do plano, fazendo pulsar a vida (ou o desânimo da vida) pela observação dos comportamentos dos personagens,  Gabriela procura se afastar das pirotecnias de linguagem (tão presentes na avalanche atual de fitas digitais) a fim de fazer emergir o humano na sua essência trágica, na sua essência solitária que, algumas vezes, atinge o patético. Excetuando-se Uma primavera, cuja maior parte da ação se desenrola num parque paulistano, os outros dois filmes vistos da autores se passam num huis clos, entre quatro paredes: o apartamento surreal do casal de velhos de Náufragos, e o deste admirável A mão que afaga, vencedor de vários prêmios no recente Festival de Brasília e amplamente admirado onde quer que seja projetado em eventos cinematográficos pelo Brasil afora.

Em A mão que afaga, uma operadora de telemarketing (excelente escolha da expressiva Luciana Paes), mulher de 31 anos não provida de beleza, faz mais de duzentas ligações por dia, aturando, na maioria das vezes, os desafores peculiares observados neste tipo de trabalho. O plano (close up) da personagem enquanto ouve as respostas e a segurança para não ceder às perguntas inconvenientes, apesar do nervosismo latente, é singular para expressar, nessa única tomada, toda a pressão e opressão do trabalho monótono e sem sentido ao qual é obrigada a fazer para sustentar o filho Lucas, 13 anos, e poder sobreviver numa cidade como São Paulo. Mas Lucas, ainda que o afeto e o carinho da mãe, pelo seu rosto, também sofre a opressão de uma vida difícil. Eis que chega o seu aniversário. A mãe tenta contratar um palhaço, mas é muito caro, e se contenta com um homem vestido de urso. Os convites são distribuídos, mas, na noite da festinha, apenas uma de suas colegas aparece com a mãe, uma autêntica representante da classe média baixa paulistana, falastrona e amante das aparências. A mão que afaga promove uma patética antifesta para incursionar pela solidão e pela incomunicabilidade entre os seres humanos. Os diálogos são precisos, enxutos, na exata medida de fornecer a sua produção de sentidos (a conversa vazia entre as duas mulheres enquanto, ao fundo, o urso tenta animar o já desanimado aniversário). O mais patético, beirando ao tragicômico chapliniano, está, no entanto, no momento em que o urso dança para as duas crianças apáticas e sonolentas num plano fixo que acentua sobremaneira a ausência de qualquer vestígio de química comunicadora. O paradoxo e o non sense, de repente, tomam contam. Uma festa de aniversário que é um autêntico desaniversário. E num momento que deveria ser de alegria e descontração, a ampliação trágica da solidão. A mão que se mexe no plano final é buñuelesca, é uma marca, é um sentido, é um momento de afirmação da poética da autora.

O cinema é a forma mais concreta na qual a arte pode recriar situações e relacionamento humanos - como faz Gabriela Amaral de Almeida em seus filmes. E essa natureza concreta deriva do fato de que, enquanto que qualquer forma narrativa de comunicação tende a relatar acontecimentos que se deram no passado e já estão agora terminados, a concretividade do cinema acontece em um eterno presente do indicativo; não então e lá, mas agora e aqui.

A mão que afaga atesta a competência já observada em Uma primavera e em Náufragos de Gabriela Amaral de Almeida: sentido notável da duração exata dos planos, criação de atmosfera, direção de atores, ausência de estiletes demagógicos, e, sobretudo, poder de verdade. 

Um comentário:

Anônimo disse...

com a falta de filmes baiano, este vai ocupar o lugar vazio.