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20 março 2014

A nobreza da sensação do medo

Christopher Lee em O vampiro da noite (Horror of Dracula), de Terence Fisher
1) O cinema de terror, passada a sua fase clássica, e de ouro (Drácula, com Bela Lugosi, Frankenstein, com Boris Karloff etc), encontrou, nos anos 50, forte inspiração na produtora inglesa Hammer, que preencheu os adoradores do gênero com filmes de qualidade e certa sofisticação, a exemplo de O vampiro da noite (Horror of Drácula), com o indefectível Christofher Lee. Quando da sua exibição em Salvador, 1961, a estratégia de marketing, quando ainda quase que não existia isso, foi perfeita. Rigorosamente proibido para menores de 18 anos, um cartaz, em cima da bilheteria, advertia os que compravam ingressos que o filme não era indicado "para cardíacos e pessoas nervosas". O mais genial, no entanto, foi a colocação de uma ambulância na porta do cinema com dois enfermeiros ao lado.

2) Os filmes que trilham a linha de Sexta-feira 13 ou, mesmo, A hora do pesadelo não são atraentes, porque se "alimentam" mais de efeitos especiais e sustos intermitentes, a deixar de lado a tensão oriunda das sugestões. É verdade que nos anos 80 tivemos "O exorcista", de William Frieklin, que é uma obra de impressionante vitalidade como 'mise-en-scène.

3) Wes Craven tentou a paródia do terrorífico em seus sucessivos "pânicos", com resultados satisfatórios dentro dos limites do gênero. Mas o terror que põe o espectador de sobressalto é aquele mais movido pelas sugestões, pela tensão psicológica, com completo domínio formal da narrativa, da mise-en-scène, é preciso repetir. Em O exorcista, por exemplo, a maior cena de terror, na minha opinião, vem da montagem do momento em que a menina possuída está fazendo exames, radiografias, a tomar injeções até na veia do pescoço. É uma sucessão de ruídos de chapas batendo, de imagens cruas de um exame invasivo, enfim, a conjunção imagem e som, que estabelece, na cena, uma impressionante, vá lá o termo de novo, 'mise-en-scène'.

4) Não se pode deixar de falar, em se tratando do gênero terror, dos clássicos do expressionismo alemão, principalmente, Nosferatu, o vampiro (1922), de Friedrich Wilhelm Murnau, com a estupenda performance de Max Schenk, insuperável como o personagem título. Murnau, um dos maiores cineastas de todos os tempos, teve morte prematura no alvorecer dos anos 30. Um acidente de automóvel lhe tirou a vida. É autor de A última gargalhada, entre muitos outros filmes excepcionais, como Aurora (Sunrise, 1927), que realizou nos Estados Unidos com a estética expressionista e que François Truffaut considera o mais belo filme de todos os tempos.

5) Werner Herzog realizou uma belíssima versão do clássico Nosferatu, de Murnau, com Klaus Kinsky no papel do vampiro, e Bruno Ganz (excepcional ator alemão que trabalhou em "O amigo americano", o melhor filme de Wim Wenders, e A queda, no qual faz Hitler em interpretação assombrosa).

6) Vi, no disquinho, Giallo, de Dario Argento, um dos mestres contemporâneos do filme de terror. Giallo é uma expressão italiana para designar livrinhos de bolso de terror e suspense baratos e editados em papel de má qualidade. Uma espécie de pulp-ficcion. Argento, tal o seu domínio formal da narrativa, é um mestre e "purifica" seus filmes com um derramamento estético de sangue. É um diretor respeitado, ainda que mal compreendido - os ignorantes pensam que é um diretor sensacionalista e barato sem atentar para a sua grande capacidade de usar brilhantemente os elementos da linguagem cinematográfica.

7) Dario Argento, além de ter em sua filmografia alguns cults do suspense e terror – o cineasta Carlos Reichenbach (de saudosa memória) foi um apaixonado por sua obra, foi um dos roteiristas do admirável Era uma vez no oeste (C’era uma volta in West, 1968, de Sergio Leone.). Entre seus filmes mais aclamados, encontram-se O pássaro das plumas de cristal (L'uccello dalle piume di cristallo, 1970, obra de estréia no longa), O gato das nove caudas (Il gatto a nove code, 1971), Suspiria, entre outros notáveis.

8) Em Giallo, Argento procede de maneira a não dar ao espectador aquela sensação de “quem foi”, a mostrar, já no primeiro terço do filme, o serial killer. O que Argento procura, na verdade, é a angústia do homem perseguido e o acompanhamento, por parte do público, da angústia do casal que o caça. Uma constante de Argento, os traumas da infância, está presente em GialloA modelo americana, Celine, é sequestrada, em Milão, durante uma semana na qual participa de um desfile de moda, pelo serial killer conhecido como Giallo, que faz, com extremado sadismo, suas vitimas passarem por um verdadeiro calvário. Linda (Emmanuelle Seigner, linda, apesar do tempo no seu rosto), irmã de Celine, deixa o assunto nas mãos do inspetor Enzo Lavia (Adrien Brody, o “pianista” de Polanski, e, também, um dos produtores do filme), que deverá encontrar a garota antes que ela sofra o terrível final das vitimas anteriores.

Um comentário:

Carlos Cabús Oitavén disse...

Os bons filmes de terror são como representações de nossos medos. Para quem sabe vê-los, funcionam como uma psicanálise não convencional.